Simples Nacional

A inflação engorda o leão: o caso do Simples Nacional

30/08/2021
Por: Cristian Baú Dal Magro

A inflação é um fenômeno monetário, isto é, intrinsecamente ligado à moeda e às políticas monetárias de uma economia. A inflação se reflete no valor do dinheiro sendo deteriorada com o tempo, ou seja, é a perda de poder de aquisição. A inflação aumenta os preços em geral, resultando em contínua perda de poder aquisitivo da moeda. Ela não só corrói o valor da renda, mas também aumenta o valor dos impostos na economia.

Neste contexto, o objetivo do artigo é mostrar que as empresas enquadradas do simples nacional são impactadas pelos reflexos da inflação na carga tributária. Previsto na Constituição Federal no art. 155, § 2º, VII e VIII, o Simples Nacional foi criado a partir da Lei Complementar nº 123 de 14 de dezembro de 2006. A partir de então, houveram algumas modificações em seus dispositivos, a exemplo da Lei Complementar nº 139 de 10 novembro de 2011 com vigência a partir de 1º de janeiro de 2012, que reajustou em 50% as faixas de faturamento para enquadramento da tributação nas empresas no simples nacional. Em seguida, emergiu a Lei Complementar nº 155 de 27 de outubro de 2016, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2018, que modificou o cálculo da tributação e ampliou o limite de receita bruta anual para adesão e manutenção das empresas no simples nacional, a qual passou de R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil por ano) para R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil).

Contudo, as alterações das Leis Complementares nº 139 e nº 155 não foram suficientes para compensar o reflexo da inflação na carga tributária das empresas, tendo em vista que, em muitas situações, a alíquota tributária efetiva permaneceu inalterada, em função da receita bruta anual de enquadramento nas faixas de tributação não terem sido atualizadas. 

Será utilizado um caso prático para exemplificação: 

No ano de 2012, uma empresa com atividade comercial obteve receita bruta anual de R$ 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil reais) e se utilizou da Lei Complementar nº 139/2011 para estabelecer a alíquota tributária no simples nacional. No ano de 2018, suponha que a empresa obteve a mesma receita bruta anual de R$ 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil reais), e se utilizou da Lei Complementar nº 155/2016 para cálculo da alíquota tributária efetiva. Pede-se: Existe diferença na alíquota de tributação para a empresa que não reajustou sua receita bruta pelo índice de inflação de 2012 a 2018?

Demonstração:

a) Empresa Comercial 2012:
Utilizou-se da Tabela 1 para demonstrar a alíquota tributária de uma empresa com receita total em 12 meses de R$ 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil). 

É importante ressaltar que o cálculo dos tributos pelo simples nacional, com base nas faixas e alíquotas dispostas na Tabela 1, esteve vigente durante seis anos (entre 2012 a 2017). Assim, para estabelecer a alíquota de tributação aplicável sobre a receita bruta mensal, basta enquadrar a receita bruta total em 12 meses na faixa de faturamento. Neste caso, a empresa com receita bruta anual total de doze meses no valor de R$ 560.000,00, incorre em carga tributária de 7,54% aplicável na receita mensal.

b) Empresa Comercial 2018:
A Tabela 2 mostra as faixas e alíquotas modificadas pela Lei Complementar nº 155/2016. Em 2018, uma empresa com receita bruta total em 12 meses de R$ 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil reais) deveria se utilizar das informações contidas na Tabela 2 para estabelecer o cálculo da alíquota efetiva no simples nacional. 

Para determinar a alíquota de tributação aplicável sobre a receita bruta mensal, basta enquadrar a receita bruta total em 12 meses na faixa de faturamento que se vincula a alíquota e a parcela a deduzir. A partir disso, multiplica-se a receita bruta total em 12 meses pela alíquota apontada na Tabela 2 e o resultado subtrair da parcela a deduzir. Por fim, dividir o resultado pela receita bruta total em 12 meses, obtendo-se a alíquota efetiva, conforme a Equação 1:

A Tabela 3 demonstra o comparativo tributário de uma empresa que mesmo com inflação, manteve o faturamento igual no ano de 2012 até o ano de 2018. De forma oportunista, o governo divulgou subliminarmente que as alterações promulgadas pela Lei Complementar nº 155 atenderiam aos ajustes de alíquotas do simples nacional em função da inflação do período. Contudo, a Tabela 3 expõe que a realidade ficou bem distante disto. 

Na realidade a mudança promovida pela Lei Complementar nº 155 não trouxe atualização na Tabela de Alíquota do simples nacional pela inflação. O resultado se comprova pela alíquota de 7,54% em 2012 para empresa com receita bruta em 12 meses de R$ 560.000,00, se manter em 2018 (7,53%), após as alterações. Para reposição da inflação o faturamento de R$ 560.000,00 em 2012 passaria a ser de R$ 809.851,44 em 2018. Portanto, uma empresa com faturamento de R$ 809.851,44 deveria tributar no máximo na alíquota de 7,54% em 2018, comprovando-se que houve reposição da inflação. O contrário também é verdadeiro, se uma empresa não efetuou reposição da inflação no seu faturamento, teria que aplicar uma alíquota tributária menor no ano de 2018 comparado ao ano de 2012. 

Afirma-se que a última correção real do simples nacional pela inflação ocorreu em janeiro de 2012. A partir de então, o governo corrigiu apenas o limite para empresas aderirem ou se manterem enquadradas no simples nacional. Sugere-se que entre os períodos de 01/2012 a 07/2021, os brasileiros ficaram expostos a uma inflação acumulada de 53,78%, a qual não foi utilizada para atualizar os limites das faixas de tributação do simples nacional.

A demora na atualização dos limites para cálculos dos tributos faz com que as empresas anualmente mudem de faixa aumentando a carga tributária. O resultado disto é aumento indireto na tributação, corroendo o poder aquisitivo das empresas do simples nacional. Assim, o que de fato contata-se é a oneração da carga tributária no período em que as tabelas não sofreram o reajuste anual, conforme demonstrado a seguir.
Em primeiro lugar, demonstra-se o reajuste da receita bruta em 12 meses de R$ 560.000,00 em 2012 pela inflação com base no índice nacional de preços ao consumidor amplo (ICPA), conforme exposto na Tabela 4 (tabela ao final do texto). O IPCA é o índice utilizado pelo Banco Central do Brasil para o acompanhamento dos objetivos estabelecidos no sistema de metas de inflação, adotado a partir de julho de 1999, para o balizamento da política monetária. O IPCA é constituído por preços livres, como por exemplo, a alimentação, vestuário e serviços, e por preços controlados pelo governo, como por exemplo, energia elétrica, telefonia, saneamento, transporte público, medicamentos e combustíveis. 

Verifica-se na Tabela 4 que, em 2012, uma empresa com faturamento anual de R$ 560.000,00 precisaria em julho de 2021 ter um faturamento em 12 meses de 951.706,08 para conseguir ao menos manter o poder aquisitivo. Sendo assim, a inflação promoveu aumento de faturamento em 12 meses no valor de R$ 391.706,08, que não significa ganho efetivo, mas apenas reposição dos preços pela inflação. A partir da atualização monetária da receita bruta em 12 meses, torna-se possível efetuar um comparativo tributário da corrosão nos recursos das empresas do simples nacional pela inflação, conforme Tabela 5.

As equações 2 e 3 demonstram o cálculo do simples nacional a partir de 2018. 

Os resultados exemplificados na Tabela 5 indicam que a empresa teria um desembolso tributário anual de R$ 42.168,00 em 2012. Contudo, ao corrigir a receita bruta em 12 meses pela inflação do período, a empresa passou a desembolsar o valor de R$ 84.091,08 em julho de 2021. Para o governo conseguir manter o reajuste da inflação nos recursos recebidos através dos tributos foi preciso aplicar a alíquota tributária de 7,53% sobre a receita bruta em 12 meses corrigida pela inflação, ocasionando um desembolso tributário da empresa no valor de R$ 71.663,47. Portanto, nenhuma das partes ficaria prejudicada (governo e empresa).

Os resultados indicam que a inflação está engordando o leão, ou seja, a empresa em questão perdeu o valor de R$ 12.427,61 anuais para o governo, por meio de aumento indireto na carga tributária. A Tabela 6 apresenta um demonstrativo de resultado da perda de poder aquisitivo da empresa com a corrosão dos resultados pela inflação.

A Tabela 6 foi criada para reforçar os resultados já evidenciados anteriormente. O caso mostra uma empresa com margem de lucro de 15% sobre a receita bruta de vendas em 12 meses, buscando manter a reposição da inflação e não perder margem de contribuição com o passar dos anos. Por fim, demonstra-se o cálculo da tributação pelo simples nacional no ano de 2012, no modelo vigente em 2021 e no modelo proposto com reajuste pela inflação. Conclui-se que no modelo vigente as empresas perderam R$ 12.427,61 de lucro corroído pela inflação, indicando perda de poder aquisitivo. Para não ter perda de poder aquisitivo, o ideal seria a obtenção de um lucro líquido no valor de R$ 71.092,44, conforme evidenciado na Tabela 7 (tabela ao final do texto). 

Observa-se na Tabela 7 que, em 2012, uma empresa com lucro líquido de R$ 41.832,00 precisaria, em julho de 2021, de um lucro líquido no valor de R$ 71.092,44, para manter seu poder aquisitivo corrigido pela inflação do período. Conclui-se que as empresas estão pagando um percentual maior de tributos nos anos em que não há a atualização nas tabelas do simples nacional, sofrendo corrosão no lucro líquido, fator preponderante para perda do poder aquisitivo. 

Portanto, uma classe empresarial, responsável pela maioria dos empregos com carteira assinada no país (formais), totalizando mais de 15.000.000 (quinze milhões) de empresas, deveria ter do governo federal políticas claras e objetivas de apoio financeiro, tecnológico e, diminuição da carga tributária, fato este contrário ao que se apresenta, quando não há atualização da referida tabela, ao menos, pela inflação.

Os resultados encontrados contribuem com os órgãos responsáveis pela desoneração tributária das pequenas e médias empresas, com os empresários, fazendo com que tenham condições de exigir junto aos governos: federal, estaduais e municipais a atualização periódica da tabela do simples nacional pela inflação e com os alunos para que tenham uma base para futuras pesquisas sobre aumentos indiretos da carga tributária. Por fim, sugere-se de forma subliminar que a mortalidade e o aumento do endividamento tributário das empresas do simples nacional pode estar indiretamente vinculada com os fatos abordados.

Anexos:

Tabela 4: Reajuste do Faturamento pelo IPCA

Tabela 7: Reajuste do Lucro Líquido pelo IPCA

 

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