Inteligência Tributária na Análise de Mercado

Como se beneficiar?

16/04/2019
Por: Cristian Baú Dal Magro; Franciele Pastre; Jackson Luis de Souza Moraes

AUTORES

CRISTIAN BAÚ DAL MAGRO
Doutor em Ciências Contábeis e Administração (FURB);
Professor do Curso de Ciências Contábeis da UNOCHAPECÓ; Professor do Mestrado em Ciências Contábeis e Administração da UNOCHAPECÓ.

FRANCIELE PASTRE
Mestre em Contabilidade (UFSC);
Professora do Curso de Ciências Contábeis e Administração da UNOCHAPECÓ;
Coordenadora da INCTECh - Incubadora Tecnológica da UNOCHAPECÓ. 

JACKSON LUIS DE SOUZA MORAES
Graduando em Ciências Contábeis na UNOCHAPECÓ.

 


 

A análise de mercado perpassa pelo processo de obtenção de informações sobre a atuação da empresa, bem como pelos fatores que podem impactar no sucesso ou fracasso de um negócio. É por meio desse processo que você obtém dados sobre o segmento e o contexto nos quais sua organização vai atuar, o potencial do seu público-alvo, a relação do seu produto com os fornecedores e o posicionamento da concorrência.

Considerar estes aspectos, tem sido determinante para o sucesso no nascimento de novos negócios e na segmentação de negócios já existentes. Só assim, se torna possível entender as atividades que merecem sua atenção e que, de fato, são capazes de tornar o negócio um sucesso. Muitos possuem a visão de que a elaboração de uma análise de mercado está pautada apenas nos contextos mercadológicos, tais como: concorrência, fornecedores, clientes e abrangência de atuação. A adequada análise de mercado deve considerar também os aspectos tributários inerentes às atividades de um negócio e às possíveis aberturas tributárias que possibilitam aproveitar benefícios para a expansão da atividade.

O conhecimento tributário aplicado na análise de mercado e na segmentação dos negócios é ainda mais relevante no Brasil, país com uma das maiores cargas tributárias do mundo. Os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que a carga tributária brasileira chegou a 32,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017, segundo dados da Receita Federal. A média dos países latino-americanos e caribenhos é de 23%, o que põe o Brasil no segundo lugar do ranking regional, através apenas de Cuba que atingiu 41,7% do PIB em 2016.

 

 

Mas, de qual inteligência tributária estamos falando?

O conhecimento da legislação e a compreensão abrangente da tributação de cada produto/serviço, permite ao profissional da contabilidade encontrar operações que melhor se adaptem aos negócios com a finalidade de economia tributária para seus clientes. Isso será efetivo quando o contador conseguir avaliar e planejar as operações mediante a oferta de soluções tributárias competitivas aos empresários.

Então, a inteligência tributária está ligada ao aprimoramento da gestão tributária para maximizar os resultados dos seus clientes, sem desrespeitar a legislação tributária nacional. Para tanto, existem algumas questões importantes e que necessitam ser consideradas na hora de tomar as decisões e orientar os clientes:

 

1º - Aproveitamento de Créditos Tributários:

o contador precisa trabalhar em conjunto com o setor financeiro das empresas para que consiga acompanhar os relatórios de inadimplência. Este fator é relevante para o aproveitamento da dedutibilidade fiscal de IRPJ e da CSLL sobre o reconhecimento de clientes inadimplentes de uma empresa;

a manutenção eficaz do controle patrimonial de uma empresa permite a aceleração de créditos tributários sobre as despesas fiscais com depreciação;

muitas empresas industriais acabam adquirindo seus insumos de empresas comerciais atacadistas, as quais não estão obrigadas a destacar o IPI na emissão da nota fiscal de venda porque não são contribuintes do IPI. A legislação permite que as indústrias possam fazer o uso dos créditos de IPI de compras advindas de empresas comerciais atacadistas. Contudo, dados obtidos demonstram que cerca de 90% das empresas não fazem este tipo de aproveitamento de créditos.

Foram apontados apenas pequenas possibilidades da inteligência tributária. Com tais aplicações se torna possível reduzir os riscos, otimizar o cumprimento das obrigações e evitar impactos negativos no lucro das organizações. Sendo assim, a inteligência tributária é um conjunto de boas práticas adotadas pelas empresas para realizar a gestão tributária eficaz, integrando a gestão fiscal e a financeira.

Outra forma de inteligência tributária que também envolve o aproveitamento de créditos tributários será exemplificada no estudo de caso prático. Além disso, perceba que a sugestão de aproveitamento de créditos expostas está intimamente relacionada com uma forma de segmentação dos negócios de uma empresa que já atua em um ramo de atividade específico.

 


 

Inteligência Tributária na Segmentação dos Negócios

ESTUDO PRÁTICO – TRANSPORTE DE CARGA VIVA

 

Para exemplificar a interferência da inteligência tributária na segmentação dos negócios, vamos expor o seguinte caso prático. Determinada empresa que atua no Ramo de Transporte de Carga Viva (animais para abate) apresentou as características tributárias listadas abaixo:

 

1º - Diferimento do ICMS no Transporte de Carga Viva:

Entende-se por diferimento a postergação da exigibilidade do imposto para etapa posterior de circulação da mercadoria. O diferimento do ICMS ocorre quando “o lançamento e o pagamento do imposto incidente sobre a saída de determinada mercadoria é transferido para etapa(s) posterior(es) de sua comercialização, ficando o recolhimento do tributo a cargo do contribuinte destinatário, que pode ser o mesmo ou um terceiro”.

Portanto, na empresa em estudo não haverá débito do ICMS (pagamento do imposto sobre o transporte). Sendo assim, não haverá contabilização de débito de ICMS sobre venda (conta de Resultado do Exercício) e contabilização de crédito de ICMS a Recolher (conta do Passivo Circulante - Obrigação).

 

2º Crédito de ICMS na compra de insumos utilizados na atividade da empresa:

O Regulamento de ICMS de Santa Catarina permite que sejam efetuados os créditos de ICMS sobre os insumos utilizados na prestação dos serviços de transporte, como por exemplo: combustível, pneus, câmaras de ar, óleos lubrificantes, peças e sobressalentes, dentre outros.

Perceba que na empresa em estudo, o ICMS sobre a compra de insumo irá gerar a contabilização de crédito no valor do ICMS na conta de Custo dos Insumos (conta de resultado do exercício) e débito na conta de ICMS a Recuperar (conta do ativo circulante – direitos)

 

3º Impossibilidade de Transferência dos Créditos de ICMS à terceiros:

Como foi explicado nos itens 1º e 2º, a empresa pode ter um saldo acumulado de crédito de ICMS na conta de ICMS a Recuperar (ativo circulante), o qual terá um aumento mensal em função de não haver saídas tributadas pelo ICMS (diferimento no transporte de animais vivos).

 

É preciso destacar que certas atividades empresariais, como no caso do transporte de cargas para exportação e as empresas do ramo agrícola, existe um benefício tributário que possibilita a transferência dos créditos de ICMS para terceiros, fato que não ocorre na atividade de transporte que possui diferimento do ICMS. Sendo assim, a atividade de transporte de cargas viva fica prejudicado pela impossibilidade de destinar à terceiros os saldos acumulados de crédito de ICMS constantes na conta de “ICMS a Recuperar” no Ativo Circulante.

Para exemplificar os fatos, apresentamos um caso prático.

 


 

Inteligência Tributário na Segmentação do Negócio – CASO PRÁTICO

 

Apresentamos na Tabela abaixo as operações da empresa contemplando atividade de transporte de carga viva (Regime de Tributação pelo Lucro Real) com ICMS diferido e, adicionalmente, a proposta de segmentação do negócio. Esta proposta de segmentação de negócio é apresentada ao empresário, tendo como base a premissa de aproveitar os créditos de ICMS para abatimento dos débitos de ICMS gerados na segmentação de transporte de cargas com tributação integral do ICMS.

Fonte: elaborado pelos autores

 

Perceba que na coluna da operação com diferimento de ICMS, a empresa apresentou um faturamento de R$ 3.000.000,00 (a), não tendo tributação do ICMS sobre o frete em função do seu diferimento. Por outro lado, o volume de insumos adquiridos para a prestação de serviços poderia gerar um crédito de ICMS no valor de R$ 306.000,00 (b) (17% sobre a compra de insumos para a atividade de transporte). Contudo, estes créditos de ICMS oriundos dos insumos adquiridos estão impossibilitados de serem transferidos para terceiros porque as operações de saídas são diferidas pelo ICMS.

Neste caso, apurar os créditos de ICMS sobre os insumos seria desnecessário, tendo em vista que o saldo acumulado na conta de ICMS a Recuperar (ativo) não teria finalidade alguma. Diante dos fatos, destaca-se que o valor de R$ 306.000,00 (b) que poderia constar na conta de ICMS a Recuperar (no ativo circulante) não teria destino e utilidade para a empresa em questão, caso continue executando suas operações neste formato.  

Pensando nisso, surge a proposta de segmentação de negócio, expandindo a empresa para uma atividade de transporte com tributação normal de ICMS. Tal decisão, fará com que a parcela (perdida) do crédito de ICMS sobre os insumos (da atividade com diferimento de ICMS nas saídas) possa ser utilizada na compensação do ICMS a recolher apurado na atividade adicionada.

Neste caso, sugerimos ao empresário que adquira caminhões para a execução de atividades de transporte de cargas tributadas normalmente pelo ICMS. Supondo que com essa aquisição, a empresa terá um incremento no faturamento de R$ 2.000.000,00 (c), o qual terá tributação normal do ICMS pela alíquota interna de 17%, gerando ICMS a Recolher no valor de R$ 340.000,00 (d) tributado somente sobre o faturamento de R$ 2.000.000,00 (c) da atividade adicionada.

A partir deste instante, o ICMS calculado sobre o frete gerou uma obrigação tributária no valor de R$ 340.000,00 (d). Contudo, a inserção da nova atividade, ao negócio já existente, gerou um crédito de ICMS sobre o total de insumos adquiridos para a prestação de serviços no valor de R$ 459.000,00(e), o qual advém dos créditos de ICMS da atividade diferida já calculados anteriormente (R$ 306.000,00 (d)), adicionados aos créditos de ICMS sobre os insumos utilizados na atividade de transporte complementar (R$ 153.000,00 (g)). Ou seja, o crédito de ICMS no valor de R$ 459.000,00 foi obtido através da somatória de R$ 306.000,00 ((d) créditos dos insumos utilizados na atividade com saída diferida) e R$ 153.000,00 ((g) créditos dos insumos utilizados na atividade com tributação normal do ICMS).  

Em geral, o resumo do benefício tributário com a segmentação do negócio mostra que a empresa exercendo unicamente a atividade de transporte com diferimento do ICMS, apesar de não desembolsar qualquer valor de ICMS a Recolher (i), está perdendo parcela dos créditos de ICMS que poderiam ser utilizados para compensar os valores de ICMS a recolher de atividades adicionadas ao negócio e tributadas pelo ICMS. Sendo assim, a proposta de segmentação do negócio possibilitou a utilização de parcela dos créditos de ICMS perdidos na compensação dos débitos de ICMS da atividade adicionada, gerando competividade frente à concorrência.

Em resumo, a segmentação do negócio gerou a seguinte situação:

Os créditos de ICMS sobre insumos totalizaram R$ 459.000,00 (e), contudo, a empresa pode se utilizar do limite de 60% aplicado aos débitos de ICMS sobre o frete. Sendo assim, teremos um saldo de R$ 204.000,00 (g) (340.000,00 x 60%) relativos aos créditos de ICMS que irão compensar os débitos da atividade tributada. Conclui-se que a empresa terá que desembolsar R$ 136.000,00 (j) de ICMS a Recolher.

Mesmo assim, observe que uma empresa concorrente, com faturamento similar de R$ 2.000.000,00 e atuação apenas na atividade de transporte com tributação normal do ICMS, terá desvantagens em relação a empresa estudada. A concorrência conseguirá aproveitar apenas os créditos de ICMS sobre os insumos no valor de R$ 153.000,00 (g) e, continuará tendo os débitos de ICMS sobre frete no valor de R$ 340.0000,00 (d), gerando assim, um custo tributário de ICMS a Recolher no valor de R$ 187.000,00 (l).

Neste caso, conclui-se que a empresa estudada conseguiu alcançar um benefício tributário em relação à concorrência, o qual é advindo da parcela do ICMS creditado sobre os insumos para a prestação do frete com diferimento do ICMS. Portanto, tem-se um benefício tributário de R$ 51.000,00 (h), calculado sobre a diferença entre o crédito da empresa estudada (204.000,00) e o possível crédito da concorrência (153.000,00).

 


 

O que concluímos com isso?

Concluímos que a inteligência tributária aplicada na análise de mercado pode ser útil para gerar maior competitividade às empresas. Por outro lado, temos que concordar que este tipo de consultoria contábil não tem sido tão explorada pelos profissionais da contabilidade e, que isso pode gerar maior valorização para a profissão.

Nossa análise de segmentação parece ser óbvia, contudo, poucos contadores discutem e sugerem novas alternativas, com base na tributação, para melhorar a competividade dos seus clientes. Por este motivo, muitas vezes nossa profissão tem sido mal compreendida e interpretada como simples emissora de tributos e obrigações para com o governo. Muitas empresas e profissionais da contabilidade não adotam a inteligência tributária, e acabam perdendo oportunidades de aproveitamento de benefícios concedidos pela legislação, o que resultaria em economia significativa no exercício da atividade econômica em seu mercado.

A função estratégica do planejamento tributário nas empresas mostra que a mídia e alguns pensadores estão equivocados ao mencionarem que a profissão contábil irá desaparecer em um curto espaço de tempo. Somos conscientes de que o contador tradicional terá que modificar seu foco de atuação, mas vislumbramos um amplo mercado no apoio à gestão, utilizando-se das tecnologias inovadoras, como por exemplo a inteligência artificial, como suporte à geração de informações relevantes que oportunizem melhores resultados tributários e operacionais ao mundo dos negócios.

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