Internacionalização
Uma empresa com atividade inovadora
O aumento da concorrência global e novas tecnologias, têm exigido que as empresas adotem estratégias para ampliar seus espaços de atuação, principalmente em mercados da cadeia global (Denberg, & Gomes, 2011). Para atender a estas demandas as empresas domésticas que se tornam multinacionais necessitam adaptar todo seu processo, inclusive os sistemas de gestão (Dyment, 1987).
Durante o processo de internacionalização, o sistema de controle gerencial deverá acompanhar a modificação na trajetória dessas organizações, atuando como instrumento capaz de motivar, coordenar e orientar suas partes para o alcance das novas metas gerais estabelecidas.
Quando a empresa se instala em um novo local, é necessário levar em consideração o ambiente social e cultural que ela está inserida, visto que esses fatores podem interferir nos processos organizacionais da empresa, fazendo com que haja uma adaptação nas atividades como forma de assegurar sua sobrevivência e obter mais legitimidade no ambiente que ela está inserida (Scapens, & Roberts, 1993, Otley, 1994, Ribeiro, & Scapens, 2006, Wanderley, Miranda, Meira, & Cullen, 2011).
Para compreender os aspectos e desafios da internacionalização foi realizado um estudo em uma empresa multinacional com sede nos EUA que teve sua primeira unidade instalada no Brasil no município de Chapecó/SC.
A empresa objeto do estudo é uma multinacional, sediada em Ankeny, Iowa (EUA). Na América do Sul, possui três unidades no Brasil e outra na Argentina. A empresa se instalou no Brasil em meados de 2005, atua no ramo de coleta do sangue suíno residual do abate das agroindústrias, e por meio da transformação gera matéria-prima/suplemento para a alimentação de suínos recém-nascidos. Destaca-se que a atividade realizada por esta empresa, devido às especificidades de coleta e transformação, possui apenas um concorrente no mercado interno brasileiro. Tal fato motivou a investigar o contexto da sua inserção na região Oeste de Santa Catarina.
As entrevistas semiestruturadas realizadas com o gestor e o controller da empresa, foram realizadas na unidade de Chapecó-SC. A partir das entrevistas evidencia-se o contexto organizacional da empresa, quanto aos controles e uso de informações para o processo de tomada de decisões, bem como a relação histórica e atual entre a matriz americana e a filial com sede em Chapecó-SC.
Com relação à estrutura são cerca de 150 funcionários entre as três unidades brasileiras. Cada unidade possui um gerente que é o responsável por toda a unidade, inclusive a unidade de Chapecó (SC), onde está localizado também o ambiente corporativo que é o responsável por todas as unidades brasileiras. Um ponto importante que o diretor destacou é que por muitas vezes foi questionado do porque não levar o corporativo para o centro da cidade, já que a unidade fica no interior do município, e ele salientou que se remanejar o pessoal da unidade eles vão perder a cultura do que que é a empresa, e por mais que não estejam vinculados ao processo produtivo estão convivendo durante todo o dia com o que acontece na unidade, ou seja, conseguem perceber as dificuldades, fato este que não conseguiriam se estivessem em uma unidade exclusivamente corporativa.
Em relação a missão e visão da empresa, o diretor nos respondeu que estão globalmente alinhadas:
“produtos seguros, claro que um pouco ajustada à nossa realidade, mas globalmente alinhada”.
Uma prática adotada pela empresa foi de contratar um brasileiro (nativo), para gerenciar a empresa dentro do país. Segundo o diretor, os norte-americanos adotaram essa sistemática pois entendem que as culturas são distintas de país para país, assim como, a parte industrial, a relação com os sindicatos, as legislações específicas de cada país, entre outras particularidades. Tendo em vista esses aspectos, o diretor destaca que os controladores têm certeza de que não é possível ter sucesso sem um nativo gerenciando as operações.
Perguntados se no olhar dos gestores norte-americanos as diferenças culturais e de legislação foram as que mais impactaram na implementação da unidade brasileira, os gestores responderam que sim. O diretor comenta, por exemplo, da legislação trabalhista brasileira que é muito diferente da norte-americana, no qual gerou muitos questionamentos dos gestores norte-americanos. Do mesmo modo, a legislação tributária brasileira também causou estranheza aos gestores norte-americanos devido a sua complexidade, pois além dos vários impostos cobrados existem situações de créditos e ressarcimentos até então desconhecidas pelos gestores estrangeiros.
O diretor destaca ainda, que, até mesmo dentro do próprio país é complexo de lidar com as diferenças entre as unidades:
“o que dá certo em Chapecó pode ser que não funcione no interior de São Paulo, e pode ser que também tenha que ser feito diferente em Goiás”.
Em relação aos controles o diretor comenta:
“aí você me pergunta: e como os gestores mundiais controlam tudo isso? Aí eu te respondo: números, os números não mudam, eles são mundiais”.
No decorrer da entrevista, este ponto ficou evidente pois eles destacaram que a contabilidade é amplamente utilizada pela empresa. A legislação contábil é seguida de acordo com os padrões internacionais. Contudo, na legislação tributária brasileira sempre existem dúvidas por parte dos norte-americanos, devido à sua complexidade.
O sistema de gestão é centralizado na unidade de Chapecó, que responde pelas três unidades brasileiras. A multinacional possui um presidente no Brasil, que é argentino. O diretor da empresa complementa:
“converso com ele quase que diariamente, vemos alguns pontos, nós temos autonomia, temos as metas, e o que nós queremos atingir, e vamos trabalhando para essas metas serem atingidas”.
Em relação aos controles de gestão, a empresa realiza controles de custos, gestão dos estoques, gestão de RH e logística. A unidade brasileira não é responsável pelas vendas, dessa forma os controles gerenciais são todos focados no processo produtivo.
No processo de tomada de decisão, as decisões estão condicionadas a análise geral da matriz americana, a qual indica redução de custos, define os preços praticados, especialmente nos aspectos comerciais as decisões estão concentradas na matriz. Decisões acerca da gestão de pessoas estão condicionadas ao gestor brasileiro.
No que diz respeito aos benefícios tributários, a empresa possui Isenção de ICMS e IPI em decorrência das exportações. O crédito acumulado é vendido a outras empresas, descontando o ágio e outras taxas.
Quanto ao controller, que atua há pouco tempo na empresa, questionou-se o que chamou mais a atenção quando iniciou na organização. Sua resposta foi de que principalmente algumas metodologias utilizadas pela matriz americana, como a forma de centralizar a gestão da informação de uma forma consolidada, utilizar a informação contábil de uma forma gerencial, tornando a contabilidade o centro da informação, o principal.
A partir das entrevistas realizadas com o diretor da empresa e com o controller foi possível encontrar aspectos positivos e negativos em relação ao processo de internacionalização assim como observar fatores que impactam no andamento das atividades da empresa devido a internacionalização.
Sendo assim, conclui-se que a cultura do local que a empresa está estabelecida é dada como um dos desafios para a internacionalização, sendo que a empresa precisa se habituar a um novo ambiente organizacional.
As entrevistas possibilitaram perceber que a contabilidade é uma ferramenta muito importante para a empresa, várias vezes enfatizada nas entrevistas. As normas internacionais são estritamente seguidas para conferir credibilidade e confiança dos números assim como é realizada auditoria externa para assegurar a confiabilidade das informações.
A contabilidade para fins gerenciais é amplamente utilizada, e para melhorar as informações e assegurar tomadas de decisões mais assertivas, um foco maior na gestão de custos foi enfatizado pelo diretor e pelo controller na qual é o ponto que pode ser trabalhado e gerenciado pelas unidades.
Referências
Burns, J., & Scapens, R. W. (2000). Conceptualizing management accounting change: a institutional framework. Management Accounting Research, 11(1), 3-25. https://doi.org/10.1006/mare.1999.0119
Denberg, M. W. S., & Gomes, J. S. (2011). Impactos ocasionados pela internacionalização em empresas brasileiras: um estudo de caso múltiplo. Revista Contabilidade, Gestão e Governança, 14(3).
Dyment, J. J. (1987). Strategies and management controls for global corporations. Journal of Business Strategy, 7(4), 20-26. https://doi.org/10.1108/eb039172
Otley, D. (1994). Management control in contemporary organizations: towards a wider framework. Management accounting research, 5(3-4), 289-299. https://doi.org/10.1006/mare.1994.1018
Ribeiro, J. A., & Scapens, R. W. (2006). Institutional theories in management accounting change: contributions, issues and paths for development. Qualitative Research in Accounting & Management, 13(2), 94-111. https://doi.org/10.1108/11766090610670640
Wanderley, C. A., Miranda, L. C., Meira, J. M., & Cullen, J. (2011). Management accounting change: a model based on three different theoretical frameworks. BASE - Revista de Administração e Contabilidade da UNISINOS, 8(2), 111-121. https://doi.org/10.4013/base.2011.82.01